segunda-feira, 1 de abril de 2019

A poética da fotografia

Levar um rolo de filme para ser revelado era um ritual sagrado. "Vou revelar as fotos e já volto"; eu ouvia isso de alguma de minhas irmãs e queria ir junto, queria poder ver logo como tínhamos conseguido fotografar. O que tinha ficado bom? Perdemos a chance de registrar direito uma memória porque o dedo de alguém ficou na frente da lente? Será que eu pisquei e saí de olhos fechados naquele único registro do jantar com nosso pai?

Quando finalmente tínhamos em mãos as fotografias reveladas (depois de uma viagem, por exemplo, em que teríamos cautelosamente escolhido os momentos adequados, com os quais valeria a pena gastar mais um giro do filme), nessa hora de descoberta, agarrávamos de volta as experiências, perdidas há dias, semanas ou meses, algumas das quais já tínhamos esquecido que havíamos desejado fotografar. Passando de uma foto a outra, talvez buscássemos encontrar o resultado de alguns cliques específicos, mas o fato é que havia surpresa em cada uma das checagens, pois não era possível prever a quantidade de luz, a nitidez e a qualidade do ângulo que a câmera analógica, em nosso amadorismo, teria produzido. A estética final de cada fotografia, portanto, era ressurgimento do instante vivido e era, ao mesmo tempo, uma impressão inédita de um significado que nunca fez parte da experiência consciente do instante.

Essa memória do tempo dos filmes fotográficos nos leva ao que a fotografia é em sua essência, uma recuperação inesperada. Mesmo com toda a mudança que as câmeras digitais e os celulares trouxeram à fotografia, o valor de manifestação e de ressurgimento não está de todo perdido em nossa experiência. Apesar de o processo de revelação ser em grande parte a razão da magia fotográfica (e as fotos de hoje serem produtos imediatamente descartáveis porque contínuos), ainda assim o peso do tempo imprime feridas sobre as fotos, dia após dia; se olharmos atentamente, veremos em todas elas o "perdidamente vivo" – como diz Barthes em um dos significados explorados em seu último livro, "A câmara clara", publicado em 1980. Nele, o seu estudo da fotografia nos leva ao reconhecimento da dualidade de objetividade e subjetividade fotográficas. Como imagem, a fotografia comunica o mesmo problema platônico da realidade, tão íntimo à compreensão da semiologia de Barthes. Por outro lado, como objeto feito de luz, a fotografia é descoberta por Barthes em um valor distinto de todas as outras linguagens: o da inesperada vitória sobre a impossibilidade de uma representação do real.

Essa é a entrada para o vídeo novo desta semana: