segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Nunca a encontrei

Encontrei um cílio dentro de um dos livros antigos que consulto na biblioteca. Ou talvez fosse um pelo de uma sobrancelha. Entre as páginas. E o assoprei, por impulso. Imediatamente um sentimento de culpa e violação me tomou e me arrependi sem entender o porquê.

Fui ao chão, metendo-me a procurar por aquela pessoa cujos olhos, sabe-se lá quando, ontem ou décadas atrás, haviam passado pelas palavras que os meus olhos liam ali há pouco.






sábado, 10 de outubro de 2015

O Algoz

Os ponteiros dos relógios do mundo todo só giram porque nós os obrigamos. Assim como o Sol não passa pelo céu, o tempo não está passando pelos relógios, nem por nós. O tempo não nos mata.
Não podemos dizer que o tempo está em movimento, pois o tempo não está aqui nem ali. Tempo não se obtém, não se possui. Não é possível segurá-lo ou ainda imaginar que ele está à frente, à toda velocidade. Não se deve antecipar sua passagem nem temer perdê-lo para sempre. Tempo não se perde, não se acha. Para achá-lo, ele precisaria estar. Para perdê-lo, ele precisaria ser. Perdemos apenas a nós mesmos, porque somos e estamos. Nós é que passamos, sem jamais conseguirmos observar o que está à volta e à frente ou o que fica pra trás, por não sabermos ou não podermos olhar, talvez por não querermos. É certo que não conseguimos. Nessa nossa multidão ninguém vê o que vai embora. Estão todos com os olhos dirigidos a um ponto cego e escuro, que se aproxima tristemente rápido. O tempo não corre. Está parado. Nós é que corremos. Cada vez mais rápido, sem carregarmos nada além de imagens, sem termos fôlego para crescer como as montanhas crescem. Carregamos linguagem, que também perde fôlego. À nossa imagem e semelhança, inventamos qualquer frase, que, por natureza, vence períodos para dirigir-se sempre a um ponto final.

revisitado em 11/04/16


Saturno Cortando as Asas do Cupido com uma Foice (1802) Ivan Akimov (Tretyakov Gallery)

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Sobre o que nos separa

Olá, pessoal! Hoje vou compartilhar três coisas com vocês. Primeiro, um novo conto e, mais abaixo, dois vídeos.
O conto de hoje é intitulado...



Sobre o que nos separa

Desordenaram os trilhos de trem e isso causou um enorme problema – você poderia pensar estar seguindo rumo a Nova Iorque e acabar chegando em Kinshasa, ou rumo a Shangai e encontrar-se perdido em Instambul.
A princípio, o problema pareceu se limitar a uma perda de compromissos em massa, de centenas de milhares de pessoas ao mesmo tempo, o que já seria terrivelmente caótico, mas o agravante era o seguinte: a estranha anomalia não foi um acontecimento momentâneo e ninguém poderia voltar tão facilmente para onde estivera. Todos os trens, de ferrovias e metrôs do mundo todo foram magicamente alterados. Era possível sair de Manhattan e parar, poucos minutos depois na estação Waterloo em Londres, ou na Odéon de Paris. Trens carregados de carvão e cobre desapareciam do Arizona e paravam na Rússia e no Brasil; outros tantos carregados de contêiners com alimentos paravam em trilhos há muito inutilizados na África subsaariana e em meio a casas de cidades pobres no sul da Ásia. Essas cargas eram recebidas com louvor, interpretadas pelas comunidades necessitadas como um intencionado envio humanitário. Mas dessa aleatoriedade, raros destinos eram benéficos. Embora o pior não tivesse ocorrido – por alguma razão, não houve notícia de nem sequer um acidente, nenhum trem colidiu com outro; todos eram desviados numa harmoniosa substituição – por outro lado, em questão de semanas, a economia mundial foi fortemente prejudicada. Nenhum país se sentiu seguro em transportar o que devia. Em todas as metrópoles, aqueles que desejassem ir ao trabalho tinham de evitar o metrô, congestionando então as ruas de uma maneira nunca antes vista. Transportes que assegurassem um destino eram possíveis apenas pelo mar, pelo ar e pelas estradas. Naturalmente, a situação sobrecarregou esses meios e conseguir vagas em voos emergenciais pela Europa tornou-se um pesadelo. O espaço aéreo emaranhava-se perigosamente.
(CONTINUA...)


Esses foram os dois primeiros parágrafos. O conto inteiro está disponível na Amazon! Se você não possui um Kindle e-reader, também conseguirá ler. Basta baixar o aplicativo Kindle para celulares, tablets e computadores (o app também pode ser encontrado pela Play Store do seu Android ou pela App Store do seu iPhone). Depois é só colocar na Busca o título, ou o meu nome.

_________

Passei as últimas semanas sem fazer postagens pois me dediquei a ampliar minha produção de conteúdo para vocês. Decidi estender o espaço desse blog e fazê-lo chegar ao YouTube, ao canal prelúdios. Isso custou mais tempo, principalmente a edição de vídeos (algo que estou aprendendo melhor enquanto faço). Mas continuarei a fazer postagens aqui e já tenho textos preparados para as próximas semanas.
No primeiro vídeo do canal, falo sobre quais leituras me formaram como leitor, desde a infância até a faculdade, falo também sobre o lançamento de O Deserto dos Meus Olhos e respondo a um dos primeiros leitores, o Ronni Anderson. (Se quiserem, deem uma olhada no site dele, tem bastante conteúdo).
No segundo vídeo, conto por que, ao contrario do que normalmente se espera, não gostei do livro Perdido em Marte, de Andy Weir, e adorei o filme, agora em cartaz nos cinemas, dirigido por Ridley Scott (Gladiador, Exodus, Alien, Prometheus) e estrelado pelo Matt Damon.

Podem se inscrever no canal, pois pretendo produzir mais para vocês!