Não faz muito tempo que senti de perto a destruição que é o não lembrar. Eu sempre tive alguma noção
de que somos apenas o que lembramos, que existimos na medida em que formamos e
reformamos uma ideia do que fomos, mas demorei a realizar que também somos o
que os outros lembram de nós. Pois como seria possível se reconhecer naquele piquenique,
se a outra pessoa que esteve lá não está mais aqui? Como ter certeza da própria
infância se as testemunhas se foram e não podem mais confirmar suas fantasias?
Quando se ama alguém por uma vida, nossa própria identidade funda-se na
capacidade da outra pessoa se lembrar de quem fomos, do que dizíamos e fazíamos,
do que desejávamos e repudiávamos. A partir do momento em que o outro se
esquece do que você foi, você deixa de ser aquilo e também deixa de ser isto. O
ego sobrevive a quase tudo, mas uma identidade pode ruir com a mesma facilidade
com que uma criança vai ao chão após os primeiros passos aprendidos. Pois
tudo o que pensamos ser a personalidade e a autoconsciência não passa de um
andar trôpego, que melhor avança quando decide se arrastar e colher fragmentos de uma memória
seletiva e inocente.
Meu maior medo, hoje, é
esquecer de quem eu fui neste instante... que já passou.
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O livro mais recente que
li sobre o esquecimento é O Gigante Enterrado, que resenhei para o meu canal
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