sábado, 12 de setembro de 2015

Diário de viagens que não voltam – Segunda nota

02 de outubro de 2013
Viareggio, Via Michele Coppino, 02/10/13

Havíamos parado em Viareggio para conhecer a cidade brevemente. Era jantar e partir, mas não encontrávamos muitos lugares abertos. Apenas bares pouco convidativos para a noite em família. Não era tão tarde, mas andamos até as docas com a sensação de estarmos numa cidade abandonada. Ao fim da Via Michele Coppino, paramos diante de yachts ancorados e encarei o mar e a escuridão do horizonte ali escondido, tentando descobrir para que porção do Mar Mediterrâneo eu estava virado. Estaria adiante a Grécia ou a Sardenha? A Croácia ou o norte da África? Fizemos o caminho de volta e encontramos um restaurante ainda aberto, que não havíamos notado antes. Ocupamos uma mesa do lado de fora, na calçada, com vista para a Piazza Lorenzo Viani. Lembro de ter procurado por um Wi-fi, assim que sentamos. Desejava abrir o Whatsapp para escrever algo para minha namorada, para pedir desculpas por não ter conseguido mandar nenhuma mensagem naquele dia. Era início de relacionamento, quando o silêncio de um dia do outro lado do mundo parecia poder comprometer muita coisa.
Não notei a chegada de um homem. Quando o vi, ele já estava ali. Era uma daquelas pessoas que encontramos aos montes na Itália, um imigrante ou refugiado, lutando para vender alguma coisa. Ele estava de costas para a nossa mesa, dirigia-se ao interior do restaurante, pelo vidro, em silêncio, movendo no ar uma rosa vermelha. Na outra mão segurava um buquê. Ele se esforçava para se fazer de vitrine para aqueles que jantavam, embora o jantar daquelas pessoas fosse a verdadeira vitrine aos olhos dele.
Minha memória não me permite saber o tempo que isso levou, mas a imagem que tenho é ininterrupta, ele parece ficar ali pra sempre. Talvez ele tenha mesmo ficado por longos minutos, olhando para dentro, mas em algum momento o interrompemos. Minha mãe o chamou. Ele se virou e veio até a nossa mesa. Não possuía um dos olhos. No lugar, uma cicatriz.
“Where are you from?”, minha mãe perguntou.
“Bangladesh”, ele disse. “And you?”
Respondemos e, por alguma razão, ele sorriu com genuína felicidade.
Dissemos que queríamos uma flor. Ele disse 3 euros, demos 5 e ele me entregou a rosa. Agradeceu, se afastou da calçada do restaurante e foi sumindo, lentamente, pela rua.
Senti que em algum momento escreveria sobre ele, mas não sabia quando iria fazê-lo. Gostaria de lembrar o seu nome. Minha mãe perguntou, ele disse, mas eu não anotei. Estava mais preocupado em pousar a rosa vermelha na cadeira à minha direita, onde eu desejava que ela estivesse naquele momento. Tirei uma foto, planejando juntar com alguma mensagem romântica e mandar por Whatsapp assim que conseguisse um sinal de Wi-fi. Só tive internet mais tarde, de volta ao hotel, quando já me sentia bobo demais por querer mostrar aquilo. Guardei pra mim mesmo, como eu fazia com tantas outras coisas.



Noite de 02/10/13, Nitens Ristorante Di Giampaoli e Paladini

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